Dentre as várias cenas emblemáticas de Marighella, que estreia nesta quinta (4) nos cinemas brasileiros, uma merece atenção especial. O protagonista, com seu filho no colo, saindo da praia. O que era para ser apenas um final de dia tranquilo, vira preocupação. Ao parar no sinal vermelho para pedestres, ele se encolhe, baixa os olhos e mesmo assim consegue enxergar o terror. E não é necessário ter uma gota de sangue, um ato de violência explícita para que ele se sinta acuado. Apenas tanques de guerra e soldados transitando nas ruas enquanto ele espera o semáforo ficar verde novamente. Só essa imagem já é o suficiente para aterrorizar quem ousa pensar ou questionar em um regime truculento que o Brasil viveu após o Golpe Militar de 1964.
Antes de mais nada, é Impossível não traçarmos um paralelo entre os acontecimentos vividos por Marighella com os que estamos vivendo atualmente com esse bolsonarismo cego que tomou conta do país. Da mesma forma que nos anos 1960, hoje vemos o apoio maciço da classe média brasileira a favor de um regime truculento, autoritário e ultra violento que usa a desculpa da “luta contra o comunismo” para passar por cima de instituições e vidas para defender apenas seus interesses.
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Recorte
O diretor Wagner Moura optou por fazer um recorte interessante, focando apenas nos últimos anos de vida de Marighella. Período quando o político, poeta, comunista e guerrilheiro ficou à frente da Ação Libertadora Nacional (ALN) e morreu assassinado covardemente pela polícia opressora que se banhava de sangue sempre recebendo apoio das forças militares. Essa fase culmina com o período mais intenso da luta contra a ditadura. Cansados de não serem ouvidos e verem seus companheiros sendo massacrados pelos militares, os revolucionários partiram, assim, para o confronto direto para tentar derrubar o sistema.
Estreando na direção, Moura realiza um trabalho forte e importante e impactante. Com a câmera quase sempre trêmula, filmando como se fosse um documentário, fica nítida a sensação de desconforto que o diretor quer transmitir. O clima de insegurança percorre o filme a todo momento, deixando claro que o perigo é constante e a morte está a um passo de Marighella e seus companheiros.
Elenco
A força de Marighella não está apenas na direção de Moura e no roteiro que ele co-escreve ao lado de Felipe Braga. O elenco é primoroso, principalmente na escolha de Seu Jorge como o protagonista e de Bruno Gagliasso, como o implacável e assustador delegado Lúcio. O time ainda conta com belas atuações de Humberto Carrão, Adriana Esteves, Guilherme Ferraz, Ana Paula Bouzas, entre outros.
A única grande falha de Marighella é, em suma, não situar o espectador comum. Aqueles que não estão familiarizados com a história do revolucionário, ficarão um pouco perdidos. Mas, sinceramente, isso é o de menos. O importante aqui é mostrar o quão terrível foi aquele período e alertar o quão perigoso é o caminho “nostálgico” que estamos percorrendo atualmente.
Marighella não atingirá a todos da mesma forma. Aqueles que acreditam em regimes militares, que defendem torturas, bem como as execuções dos seus inimigos são casos perdidos. São os mesmos que já cancelaram o filme mesmo antes de sua estreia, defendem o fechamento do congresso, do STF e agridem jornalistas. Em outras palavras, já morreram por dentro. A esperança mesmo é tocar o coração e alma daqueles que ainda acreditam no poder da democracia e justiça. E, para nossa sorte, eles não são poucos.
Ficha técnica – Marighella
Título original: Marighella
Direção: Wagner Moura
Roteiro: Felipe Braga, Wagner Moura
Elenco: Seu Jorge, Adriana Esteves, Bruno Gagliasso, Humberto Carrão, Ana Paula Bouzas, Guilherme Ferraz, Bella Camero, Tuna Dwek, Herson Capri
Onde assistir: somente nos cinemas
País: Brasil
Duração: 155 minutos
Gênero: drama
Ano de produção: 2019
Classificação: 16 anos