‘Vidro’ encerra a trilogia de Shyamalan com chave de ouro

 Esqueça o que você está acostumado com os filmes de super-heróis dessa era dominada pela Marvel, antes de assistir ao belíssimo ‘Vidro’ (Glass, 2018), novo trabalho do diretor indiano M. Night Shyamalan que encerra a trilogia iniciada com Corpo Fechado (Unbreakable, 2000).

Aliás, é impossível imaginar que Corpo Fechado fosse o início de uma trilogia. E para falar sobre Vidro (Glass, 2018) é necessário explicar como tudo começou. O terceiro filme de Shyamalan em solo americano falava de algo até então pouco explorado no cinema: A existência de super-heróis e como eles se relacionavam em nosso universo. Considerado estranho para o público que ovacionou seu trabalho anterior, O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999), o filme só agradou aos fãs de HQ e se tornou cult por antecipar esse fenômeno pop que dominou o cinema hollywoodiano. O fracasso de público e por parte da crítica fez com que o diretor seguisse por outros caminhos, construindo uma carreira irregular, alternando ótimos filmes, com produções pífias.

A carreira de Shyamalan renasceu com Fragmentado (Split, 2016), que não é exatamente uma continuação, apenas se ambienta no mesmo universo de Corpo Fechado, sendo que isso só fica claro no final do filme, quando David Dunn (Bruce Willis) aparece rapidamente lembrando o nome do seu rival na primeira parte da trilogia: Mr. Glass (Samuel L. Jackson). O filme nos apresenta um personagem fascinante: Kevin Wendell Crumb (James McAvoy): um homem com 23 personagens múltiplas, sendo que a “principal” delas é um ser com uma força descomunal conhecido como A Besta.

Vidro não apenas encerra de maneira brilhante a trilogia iniciada em 2000, como coloca Shyamalan novamente no patamar dos grandes diretores da atualidade. É um filme onde o cineasta exalta suas maiores qualidades, nos surpreendendo quando menos esperamos e entrega aquilo que deseja sem apelar para truques baratos.

Em Vidro, David Dunn divide sua vida entre sua empresa de segurança e seu trabalho como vigilante, ambos com a ajuda do seu filho Joseph Dunn (Spencer Treat Clark). Durante sua caça à Besta, ele acaba sendo capturado junto com Crumb pela psiquiatra Ellie Staple (Sarah Paulson) e colocado em uma instituição psiquiátrica junto a um catatônico Elijah Price, o Mr. Glass.

O trabalho da doutora Staple consiste em ajudar pessoas com delírios de grandeza que as faz acreditar ter super poderes. Logo, tanto Glass, como Crumb e Dunn começam a duvidar dos seus dons porque a psiquiatra consegue dar explicações plausíveis para todos os atos desses personagens sobre-humanos.

É justamente dentro da Instituição que o trabalho de Shyamalan brilha. Além da ótima condução de cenas e direção de atores, o cineasta realiza um trabalho primoroso com uma belíssima paleta de cores. Tal como uma história em quadrinhos, ele usa de tons coloridos para seus personagens principais: o verde para Dunn, o amarelo para Crumb e suas personalidades, o roxo para Mr. Glass e o rosa para a doutora Staple. Junto com a paleta, o diretor exalta sua paixão pelas HQs, discutindo no hospital toda a semiótica do segmento, falando sobre heróis, vilões, edição limitada, encerramento de saga, apresentação de personagens e por aí vai.

Durante sua carreira, Shyamalan virou refém do famoso plot twist. Em praticamente todos os seus filmes, o público já esperava uma reviravolta final e a grande surpresa acabava não surpreendendo tanto. Em Vidro, o diretor dosa com maestria o recurso, enganando o público diversas vezes durante o filme, mudando o curso da história e deixando sempre a platéia em dúvida se esses sobre-humanos afinal de contas existem ou não?

Shyamalan brinca com isso e também com outra questão que vai desanimar aos fãs dos filmes contemporâneos de super-heróis. Ao contrário das produções grandiosas, com grand finales e encerramentos de trilogias com longas cenas de ação e grandes respostas conclusivas, em Vidro ele faz algo mais intimista, trazendo mais questionamento sobre esses personagens sobre-humanos, focando muito mais suas personalidades quebradas e humanas ao invés de seus super poderes. Trata-se de uma produção pequena, mas não se engane. Vidro é um filmão.

Fabio Martins

Santista de nascimento, flamenguista de coração e paulistano por opção. Fã de cinema, música, HQ, games e cultura pop.

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