“Nós” consagra Jordan Peele como um dos melhores cineastas da atualidade

Não é nenhum exagero afirmar que Jordan Peele é um dos melhores cineastas de sua geração. Com apenas dois filmes no currículo, o ótimo “Corra!” (Get Out!, 2017) e o espetacular “Nós” (Us, 2019) ele consegue triunfar justamente no terror, um gênero que ultimamente tem se saído muito bem nos cinemas.

Só para se ter uma ideia, apenas nesta década, o terror nos apresentou belíssimos filmes como, por exemplo, “Invocação do Mal” (The Conjuring, 2013), “Rua Cloverfield, 10” (10 Cloverfield Lane, 2016), “Fragmentado” (Split, 2016), “Um Lugar Silencioso” (A Quiet Place, 2018), “Hereditário” (Hereditary, 2018) e “A Bruxa” (The Witch, 2015). Nós consegue não apenas se equiparar a essas ótimas produções, como as supera.

O mérito desse sucesso é justamente Peele, que produz, escreve, dirige seus filmes. O cineasta vai além e não se limita a contar uma bela história de terror. Ele usa o horror como pano de fundo para meter o dedo na ferida e discutir assuntos contemporâneos, com sagacidade, bom humor e sustos, utilizando recursos interessantes como metáforas e simbologias, além de beber da mesma fonte que diretores como Alfred Hitchcock e M. Night Shyamalan.

Se em Corra!, Peele usa o terror para discutir o racismo e o abismo social entre brancos e negros norte-americanos, em Nós, o cineasta usa o gênero para discutir os Estados Unidos e os americanos. O próprio título já é uma referência ao seu país de origem. US (nós, em inglês), pode muito bem ser encarado como a abreviação de United States (Estados Unidos).

Nós começa em 1986 com a pequena Adelaide Wilson (Madison Curry) comemorando o seu aniversário em um parque de diversões , junto de seus pais. No meio da diversão ela acaba se separando e indo sozinha a uma casa de espelhos, onde se depara com sua “doppelgänger”. A menina cresce traumatizada e já adulta (vivida agora pela excepcional Lupita Nyong’o), viaja para a mesma praia que a traumatizou com sua família: o marido Gabe (Winston Duke), a filha Zora (Shahadi Wright Joseph) e o caçula Jason (Evan Alex).

Chegando no local, eles encontram com os amigos fúteis Josh Tyler (Tim Heidecker) e Kitty Tyler (Elisabeth Moss) e coisas estranhas começam a acontecer até que após uma tarde infeliz na praia, eles voltam para a casa de férias, quando seus “duplos” chegam para aterrorizá-los.

Peele conduz com maestria os eventos que se sucedem e, principalmente, na crítica aos anos de Governo Trump, que insiste em tratar o outro e o diferente como seu inimigo. Fica muito evidente o papel crítico aos seus conterrâneos quando ao ser perguntada sobre o que eles querem e quem eles são a doppelgänger de Adelaide responde “somos americanos”.

Ele sabe como poucos utilizar o humor e o sarcasmo na trama sem parecer que esses recursos soem baratos apenas para aliviar o peso da trama. O timing do cineasta é tão perfeito como o seu talento para a escolha de elenco. Além das ótimas atuações de Duke, Shahadi e Alex, ele tem uma coadjuvante de luxo (Elizabeth) e uma protagonista espetacular (Lupita).

Vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “12 Anos de Escravidão” (12 Years a Slave, 2014), Lupita é espetacular. Sua atuação tanto quanto a Adelaide quanto a sua sósia é maravilhosa e surpreendente. Ela dá a impressão de que é extremamente fácil fazer com que o espectador fique assustado com ela e se assuste dela com a

cr: Claudette Barius/Universal Pictures

sua incrível facilidade em se transformar de heroína a vilã. O roteiro de Peele permite que a Lupita mostre todo o seu talento e consiga se destacar como a estrela que é em um filme repleto de qualidades.

Peele é um cineasta provocador, que assim como o Shyamalan, nunca entrega ao público aquilo que ele quer. Ele te induz a um caminho e de maneira muito sutil muda a chave e te leva a outro rumo. Numerologia, símbolos, religião, máscaras, objetos e cores. Todos esses elementos que, juntos ou separados, ligados ou não, são recursos que Peele sabe dosar muito bem para contar uma história maravilhosa.

Fabio Martins

Santista de nascimento, flamenguista de coração e paulistano por opção. Fã de cinema, música, HQ, games e cultura pop.

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