HQs: Três histórias unidas pelo tempo e o espaço

Tempo e espaço andam se beijando em nossas cabeças desde 1905. As publicações de Albert Einstein sobre luz e movimento alteraram a percepção newtoniana da imobilidade espaço temporal e prepararam psicologicamente o século XX para a intensificação das relações promíscuas entre hora e metro: invenções como avião e container derrubaram barreiras temporais, modificando a relação espacial; a interação com computadores permitiu a criação de avatares virtuais e armazenamento infinito de memória. Fácil deduzir que iria haver descompasso entre espaço-tempo e que não seria necessariamente legal.

“Até aí, tudo bem, qualquer sociedade pré-colombiana nas Américas já manjava essas mumunhas”, dirá o leitor exigente de Dimensão Geek. Verdade. Seja o céu desabando nas nossas cabeças, ou búfalos tossindo fogo na planície, os mitos demonstram que o equilíbrio da relação tem que ser mantido para que não haja o fim de tudo. E os mitos modernos são as histórias em quadrinhos. Três exemplos entre as que lidaram com o descolamento do espaço-tempo na realidade: “Os Invisíveis”, de Grant Morrison; “Prometeia”, de Alan Moore; “Planetary”, de Warren Ellis. As histórias são ligadas pelo colapso da realidade e o iminente fim de tudo, dando deixa não para a busca de soluções – não as há -, mas modos de resistir e conviver.

“Os Invisíveis” (“The Invisibles”, Vertigo Comics) foi publicada entre 1994 e 2000. É absolutamente não linear. Há um fiapo de enredo até metade das edições: adolescente super dotado é contatado por grupo secreto de heróis para combater forças desestabilizadoras do Real. Ideia gloriosamente abandonada em favor de narrativa fragmentada e lindamente multifacetada, explodindo ideias de “bem-mal”, “certo-errado”. Obviamente, dá um pé na bunda do Real também. A divisão entre ciência e natureza destes nossos tempos desequilibrados é a faísca da história. O grupo transita entre vírus cromados bugadores de neurônios e alucinações xamanísticas de peyote. As últimas edições radicalizaram a proposta e desbundaram para anarquia existencial. Pense as últimas páginas do “Ulysses” de Joyce com travecos brasileiros subindo a ladeira de Ogum – é sério, tem isso lá.

Não menos macumbeiro é “Prometeia” (Promethea, America’s Best Comics/Wildstorm), publicado entre 1999 e 2004. Cabalístico, na realidade (qual?). Nova iorquina é escolhida para ser a nova Promethea, guardiãs milenárias do multiverso. O problema é que algo deu errado entre as realidades habitáveis e pode ocorrer um cataclisma. Dá-lhe Promethea a peregrinar os Sepiroth, níveis de consciência cósmica da cabala judaica. Páginas sensacionais, onde as linhas entrecruzáveis do antes-agora-depois guiam nossa heroína em sua jornada. Só acaba quando a cabala acaba, então não há fim, já que não houve começo.

“Planetary”(Wildstorm) foi publicado entre 1999 e 2009. É o mais linear dos três, o que não quer dizer muito. Organização secreta procura defender a terra de super vilão. Não demora e notam que o problema pode estar entre universos. As edições referenciam questões clássicas da ficção científica, como aliens, monstros e viagens no tempo. A abordagem, entretanto, não é de clichê: as respostas podem estar na barriga de leviatãs pré-históricos ou dentro de uma flor. As linhas do espaço e do tempo são estilingadas todo momento e não são tabefes e pipocos que vão resolver a falta de chão. “Planetary” saca bonito a conversinha que é o “existir de maneira concreta”.

Para terminar, dois objetos que minam o Real do jeito que as histórias em quadrinhos acima fazem: o Relógio do Juízo Final é mantido desde 1947 por comitê de cientistas que, inicialmente, contavam os minutos para um fim por catástrofe nuclear. Atualmente, a hecatombe vai chegar pela bomba ecológica que é a humanidade em si. De acordo com os ponteiros do bicho, que são adiantados ou atrasados pela iminência de colapso, nunca estivemos tão perto do bau-bau; Cruzeiro do Sul é um cubo de 9 milímetros criado pelo artista plástico Cildo Meireles em 1970. A especificação é que o objeto seja exibido em sala vazia de pelo menos 200 metros quadrados. Desse modo, há diálogo entre o macro do entorno e o mínimo do cubo, confundindo nossas percepções acerca de espaço.

Fabio Martins

Santista de nascimento, flamenguista de coração e paulistano por opção. Fã de cinema, música, HQ, games e cultura pop.

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