Lado C #04 | Lost Soul: The Doomed Journey of Richard Stanley’s Island of Dr. Moreau

Mesmo que ainda tenha passado por curtos períodos em que deu liberdade a jovens diretores, Hollywood é uma trituradora de talentos. Uma das milhares de vítimas foi um promissor cineasta sul-africano chamado Richard Stanley. Personagem pitoresco, Stanley, que é afeito a rituais sobrenaturais e usa um inseparável chapelão de couro, havia acabado de lançar seu segundo filme, o místico Dust Devil – O Colecionador de Almas, em 1992.

Nessa época, ele se mudou para Londres e entrou de cabeça em seu maior sonho: fazer uma versão cinematográfica decente para o clássico romance ‘A Ilha do Dr. Moreau’, do escritor inglês H.G.Wells, um dos papas da ficção científica. Mas foi aí que sua carreira meteórica – que começou com o ótimo Hardware – O Destruidor do Futuro (1990), um dos grandes cults daquela década – começou a descer ladeira à baixo. E é esse processo de descida ao inferno de um cineasta esmagado por egos e ganância que o documentário Lost Soul: The Doomed Journey of Richard Stanley’s Island of Dr. Moreau retrata com surpreendente bom humor.

O próprio Stanley é um dos principais narradores da aventura que gerou um dos piores filmes de todos os tempos, A Ilha do Dr. Moreau (1996), dirigido pelo veterano diretor John Frankenheimer (que foi escalado para assumir o lugar do sul-africano, que foi demitido do projeto pelos executivos do estúdio New Line) e estrelado por Marlon Brando e Val Kilmer. No entanto, é no bastidor dessa verdadeira bomba onde está o ouro.

Desacostumado com uma produção milionária de grandes estúdios, Stanley faltava a constantes e irritantes reuniões com executivos, tinha de lidar com Val Kilmer – uma estrela mimada que o tratava como lixo – e com uma tempestade que destruiu com seu plano inicial de começar as filmagens. Acuado, ele foi ficando cada vez mais isolado e envolvido em uma bruma de paranoia e maconha, que ele consumia como um pagé louco buscando a iluminação em meio ao caos que havia se instaurado na floresta de Cairns, na Austrália. E olha que o ensandecido Marlon Brando ainda nem havia entrado nessa equação ao desastre! Soma-se a isso orgias, drogas, egos inflados e até um anão que, por ordem de Brando, participou de todas as cenas de seu Dr. Morau usando réplicas exatas de suas roupas. E não é só isso. Mas contar mais estragaria algumas histórias saborosas.

Lost Soul: The Doomed Journey of Richard Stanley’s Island of Dr. Moreau é um retrato ao mesmo tempo triste e acidamente engraçado da indústria cinematográfica, onde o lucro a qualquer custo conta mais que o valor artístico de uma obra. Uma máquina que arrasa trajetórias interessantes como a de Richard Stanley, que hoje vive em uma comunidade mística nas montanhas de Montségur, na França, e nunca mais filmou um longa de ficção sequer.

Fabio Martins

Santista de nascimento, flamenguista de coração e paulistano por opção. Fã de cinema, música, HQ, games e cultura pop.

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