É Tudo Verdade: Eu Sou Carlos Imperial

A galerinha que curte biografias polêmicas será contemplada, na programação da 20.ª edição do Festival Internacional de documentários “É Tudo Verdade”, com o filme “Eu sou Carlos Imperial”, dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil.

O documentário mostra a trajetória do compositor, produtor, empresário, apresentador de programas de auditório, diretor de cinema e vereador carioca Carlos Imperial e a narrativa começa a partir de seu surgimento no show business brasileiro, em meados de 1960, encerrando-se com a morte de Imperial em 1992, em decorrência de complicações pós-operatórias.

O documentário se estrutura exclusivamente na exibição dos depoimentos de quem conviveu com Carlos Imperial: Roberto e Erasmo Carlos, Eduardo Araújo, Paulo Silvino, Dudu França, Gerson King Combo e as irmãs cantoras Célia e Celma, dentre outros.

Pelos relatos dos entrevistados, sabemos da “personalidade forte e polêmica” (aspas nossas) de Carlos Imperial e ouvimos relatos sobre sua trajetória, intercalados com imagens de arquivo. Mas a avaliação do biografado é feita apenas através dos depoimentos: os diretores acertam a mão ao escolher – no limite possível dentro do gênero – a imparcialidade, abstendo-se de emitir, eles próprios, opiniões ou buscar respostas para o que foi o “enigma” Carlos Imperial.

Essa opção pela imparcialidade entrega ao espectador, após ouvir o que se conta do biografado, a decisão: Carlos Imperial foi um talentoso agitador cultural, de importância incontestável para a comunicação, show biz e cultura pop brasileiros das décadas de 1960 a 1980? Ou foi apenas um tremendo estelionatário, um oportunista que não hesitava em sacanear quem estivesse na sua frente para obter o que queria, sabendo inteligentemente colocar-se sempre nas horas e lugares certos? Poderia Carlos Imperial ser, ainda, uma controversa junção das duas coisas, talento e egolatria inescrupulosa?

Bem… eu fiz meu juízo de Carlos Imperial e a galera do Dimensão Geek achou que esta análise deveria ser opinativa, pelo que descreverei minhas impressões sobre o biografado. Ou seja, uma modalidade de spoiler! Se você prefere ver o filme e decidir sozinho, vá direto ao último parágrafo! Caso contrário, vambora. ;P

As falas inteligentemente contrapostas pelos diretores, equilibrando relatos respeitosos – dos artistas e profissionais que conseguiram se virar sozinhos após o pontapé inicial de Imperial – e expressões de admiração devocional – via de regra, vindos de outros artistas, profissionais e pessoas próximas que, massacrados ou explorados pelo biografado, foram aparentemente vitimados pela Síndrome de Estocolmo – consolidam, na minha opinião, a imagem de um Carlos Imperial egocêntrico, desonesto… e plenamente consciente disso.

Indiscutível que o Sr. Imperial esteve envolvido, de alguma forma, no bem-sucedido lançamento de vários artistas, dentre eles Roberto Carlos, Elis Regina, Wilson Simonal, Paulo Silvino, Tony Tornado, Clara Nunes e Dudu França; ele também teria enraizado o rock’n’roll no Brasil com seu Clube do Rock, dentre outras iniciativas; compôs sucessos inesquecíveis como “O Bom”, “A Praça”, “Vem Quente Que Eu Estou Fervendo”, “Nem Vem Que Não Tem” e “Você Passa Eu Acho Graça” (em parceria com Ataulfo Alves); inventou a “Pilantragem”, estilo musical que soube explorar com maestria, diante da explosão da soul music brasileira liderada por Tim Maia em meados de 1970; divulgou incontáveis artistas em seus programas de auditório; e foi o criador do indefectível bordão “Dez! Nota dez!”, ao participar das apurações de desfiles de escolas de samba do Rio de Janeiro (quem tem a faixa etária certa há de reconhecer a perenidade desse bordão).

Por outro lado, conhecemos também um coautor de sucessos estrondosos que não creditava parceiros propositalmente (numa época, já distante, em que a indústria fonográfica podia tornar milionários os detentores de direitos de autor); um pai ausente e cruel (que expulsa o filho de casa e ainda o proíbe de morar com parentes, tornando-o morador de rua por dois anos); um político ambíguo que se definia como “o candidato da sacanagem” (e que foi o vereador mais votado na capital fluminense em 1982); um mitômano em causa própria, plenamente consciente das mentiras que contou por toda a vida, além de outras atrocidadezinhas aqui e ali.

Comparados os vícios e virtudes, acabei achando que todas as picaretagens, sacanagens (com amigos e inimigos) e idiossincrasias de Carlos Imperial ultrapassam e muito o limite da irreverência, fortalecendo-se a convicção de que esse seu lifestyle autocêntrico não era acidental, folclórico ou pura fanfarronice, senão totalmente consciente e premeditado, para o objetivo único de beneficiar (em todos os aspectos possíveis) a si mesmo e dar visibilidade à sua própria imagem.

Quando diz Tony Tornado que “só quem conhecia sabia da grandeza dele”, ou quando ouvimos Eduardo Araújo afirmar que Imperial era um “cafajeste de um coração muito grande”, fica claro (ao menos pra mim) que o mau-caratismo de Carlos Imperial só é mitigado pela complacência dos que com ele conviveram e se renderam ao seu carisma.

Correndo o risco de ser rigoroso demais, pareceu-me, após ver o filme, que Carlos Imperial, ao atuar nos meios midiáticos, culturais e do showbiz, foi acima de tudo o maior e mais talentoso divulgador do personagem Carlos Imperial. Pois Imperial parecia buscar apenas satisfazer o insaciável apetite de seu próprio ego.

Foi uma coincidência feliz que as migalhas do biscoito fino caídas do prato de Imperial fossem contribuições inestimáveis para a história da cultura pop brasileira… mas não pela caridade de Carlos Imperial, senão como efeito colateral de sua autopromoção vitalícia.

Assim, seja despertando o amor ou o ódio do espectador ao protagonista, o documentário “Eu sou Carlos Imperial” – que, estilisticamente, segue o caminho convencional dos documentários e não arrisca novidades – prende a atenção por seu conteúdo e por convidar o espectador a decidir por conta própria quem foi Carlos Imperial. O filme é, ainda, bem-sucedido ao construir uma narrativa sagaz, bem-humorada e irresistível, sendo altamente recomendado para os interessados no gênero.

Fabio Martins

Santista de nascimento, flamenguista de coração e paulistano por opção. Fã de cinema, música, HQ, games e cultura pop.

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One thought on “É Tudo Verdade: Eu Sou Carlos Imperial

  1. In-Edit Brasil| Veja a programação completa do festival | Dimensão Geek 29/06/15 at 16:06

    […] Elis Regina, Wilson Simonal, Ronnie Von, entre outros (leia nossa crítica do filme clicando aqui); My name is now, Elza Soares, de Elizabete Martins Campos, um retrato visceral, lúcido, forte e […]

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