Cosplay| Livro fala sobre a cena no Brasil

Idealizado pela professora e pesquisadora Dra. Mônica Rebecca Ferrari Nunes, da ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing – o livro “Cenas Cosplay: comunicação, consumo e memórias nas culturas juvenis” mostra a cena cultural que conquistou o Brasil e atrai cada vez mais o universo nerd, geek e pop.

A prática, que consiste em não apenas se fantasiar de um determinado personagem e, sim, interpretar e encenar esse personagem, dando vida à fantasia, chegou timidamente ao Brasil em 1990 e hoje é uma febre em todo o país. Não acredita? Vá a algum evento voltado à cultura nerd, geek e pop que você encontrará centenas de cosplayers. Eles são umas das principais atrações desses eventos, que sempre atraem os olhares e as câmeras fotográficas do público.

Cosplay 2Publicado pela Editora Sulina, Cenas Cosplay: comunicação, consumo e memórias nas culturas juvenis é composto por artigos de 11 pesquisadores e foi dividido em seis partes: Cosplayers e Poetas; Percepção, Cognição e Pertencimento; Moda e Estilo Urbano; Matérias Sonoras; Games e Colecionismo e Flânerie. O trabalho foi realizado entre os anos de 2012 e início de 2014, conta com mais de 100 depoimentos colhidos em vídeos, gravações e registros impressos coletados em eventos do Sudeste brasileiro.

A Dra. Mônica conversou conosco sobre o livro e a cena Cosplay. Confira abaixo:

Como você tomou conhecimento do universo Cosplay?
Sou professora universitária e conheci o cosplay quando um colega me convidou para dar uma palestra sobre mídia, fãs e cosplays. Fui pesquisar um pouco mais, ainda na internet, e fiquei muito interessada naquela prática. No final de 2011 tive a oportunidade de escrever um projeto de pesquisa sobre o tema. No projeto eu propus fazer uma análise mais de perto, indo aos eventos de anime para conversar com os cosplayers, participar dos eventos. Isto é o que chamamos de pesquisa de campo.

Qual o motivo que a levou escrever o livro?
Quando fazemos um projeto de pesquisa temos que propor um produto final, um modo de apresentar os resultados finais da pesquisa. O livro foi o produto final que eu propus.

Como foi feita a pesquisa e quantas pessoas foram envolvidas?
Este projeto foi desenvolvido na Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM, de São Paulo, no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação e Práticas de Consumo, onde eu trabalho, e lá temos grupos de pesquisa. Eu coordeno um grupo e foi esse grupo que desenvolveu a pesquisa que foi dividida em alguns objetivos. O objetivo principal foi descobrir o que entrava em jogo para que o cosplayer escolhesse o personagem que iria representar, isto é, como ele consumia midiaticamente e simbolicamente as memórias de narrativas e de personagens que teriam provocado o desejo de fazer este ou aquele cosplay. Fomos a eventos de anime em São Paulo, em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro e em Vitória, no Espírito Santo, e cada pesquisador foi responsável por desenvolver um objetivo específico que envolvesse as relações entre consumo e memória na cena cosplay e assim pesquisamos o papel da performance, isto é, o ato de se vestir e atuar como personagens midiáticos; os aspectos envolvidos do ponto de vista da memória e da cognição no ato de imitar e interpretar um personagem; os aspectos lúdicos e de pertencimento que estão presentes na cena cosplay que também funciona como uma rede de sociabilidades, isto é, é um lugar para fazer amigos, compartilhar preferências, criar identificações; analisamos também a moda e o estilo urbano que aparecem nas coleções de certas marcas que se inspiram em personagens – o que nos fez perceber que o cosplay vai além da cena do evento; a ascensão da cultura pop japonesa no Brasil e o papel das Lolitas na cena; as paisagens sonoras dos eventos, isto é, a presença das bandas covers, do J e do K-pop, das vocaloides; dos dubladores; analisamos a importância dos games mitológicos como inspiradores de cosplays e também o colecionismo que aparece com a venda de objetos pop nestes eventos. Entrevistamos mais de 100 jovens nestes encontros durante dois anos de pesquisa de campo. E foram onze pesquisadores envolvidos que produziram dez artigos para o livro.

Qual o perfil dos cosplayers brasileiros? Existe diferença em relação aos de outros países?
É difícil falar em um perfil. A cena é profundamente heterogênea. Os cosplayers realizam esta prática por motivos muito diversos, como gostar da personagem, da narrativa, da roupa da personagem e fazer o cosplay só pelo desafio de fazer a roupa; outras vezes escolhem determinado personagem por conta do tamanho do evento, isto é, roupas mais ou menos trabalhosas, detalhadas, outras por identificação psicológica. É importante eu dizer que não entrevistamos apenas os participantes dos concursos que ocorrem nos eventos, mas os frequentadores da cena, e isso tornou possível encontrarmos motivações e perfis muito variados. Há cosplayers que vão aos eventos com determinado cosplay só para acompanhar os amigos, o que eles chamam de “cosplay coletivo” – quer dizer, não é nem por gostar do personagem ou da história, mas para estar junto com amigos e compartilhar o momento. Encontramos também cosplayers que têm intenções políticas, como representar personagens negros para denunciar a pouca representatividade que os negros têm no mundo das animações. Poderia dizer que o cosplayer brasileiro, pois não fiz, ainda, a pesquisa no exterior, tem uma enorme capacidade de improvisação, porque muitos confeccionam a roupa com objetos reciclados ou combinando peças que já têm de outros indumentos. Um funcionário da Yamato informou que a categoria play-livre nos concursos de cosplays, isto é, quando o cosplay pode inventar uma cena que poderia ter acontecido na narrativa original, só existe no Brasil. Eu ainda não fiz a pesquisa no exterior, mas posso dizer pelo que vi aqui que temos uma enorme capacidade criativa e de invenção, muitas vezes realizando os cosplays com poucos recursos. Penso também que, na cena brasileira, o espírito lúdico, da brincadeira e o compartilhar são muito importantes.

Quando esse movimento começou (no Brasil e no mundo) e quando ele se popularizou? Como você vê a atual cena brasileira de cosplay?
Há pouca bibliografia sobre as origens do cosplay. Há informações dispersas em sites e em alguns livros estrangeiros que consultamos. A grande parte da bibliografia estudada afirma que o ato de se fantasiar como personagem começa no final dos anos de 1930, nos EUA, nos festivais de filmes de ficção científica. Mas foi somente na década de 1980 que um jornalista japonês batizou esta prática de cosplay, contração de costume play, roupas de brincar, e o movimento se expandiu no Japão. No Brasil, foi com os primeiros encontros entre os fãs de mangás e animês, no final dos anos de 1990, que o cosplay começou. O cenário por aqui era de expansão dos animês e também dos mangás e com isso foram aparecendo os jovens que se vestiam como personagens dessas narrativas. O fenômeno se expandiu, e, se começou timidamente, com encontro entre amigos, como registraram vários depoentes entrevistados para a pesquisa, hoje a prática ganhou proporções maiores e acompanha o desenvolvimento dos eventos; também observamos que hoje as fontes para os cosplays estão em inúmeras narrativas midiáticas, como em celebridades musicais ou mesmo publicitárias não apenas de personagens dos produtos culturais japoneses.

O que esperar da cena daqui para frente?
Torço para que ainda o espírito lúdico permaneça na cena, que ela não se transforme em algo massificado, com a sua expansão, mas que mantenha a energia criativa que foi possível testemunhar com a pesquisa.

Fabio Martins

Santista de nascimento, flamenguista de coração e paulistano por opção. Fã de cinema, música, HQ, games e cultura pop.

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